Temos o privilégio de nos encontrar com milhares de empreendedores todos os anos e, no decorrer dessas discussões, somos apresentados a todos os tipos de números, medidas e métricas que demonstram o potencial e a saúde de determinada empresa. Contudo, as métricas podem não ser sempre o melhor indicador do que está realmente acontecendo no negócio ou, então, diferentes definições podem ser usadas para uma mesma métrica, o que dificulta a compreensão da saúde da empresa.
Portanto, embora uma parte deste conteúdo possa ser óbvia para muitos de vocês que vivem e respiram essas métricas todos os dias, elaboramos uma lista das mais comuns ou mais confusas. Tentamos acrescentar, dependendo do caso, comentários sobre por que os investidores se concentram nessas métricas. Mas, em última análise, boas métricas não têm relação com levantar recursos com investidores e sim com administrar o negócio de tal forma que seus fundadores saibam como e por que determinados aspectos estão funcionando (ou não…) e possam corrigir ou ajustar de acordo.
Um erro comum é usar contratos fechados (também conhecido como bookings) e receita de forma intercambiável, mas eles não são a mesma coisa.
Bookings é o valor de um contrato entre a empresa e o cliente. Reflete uma obrigação contratual do cliente de pagar à empresa.
Receita é reconhecida quando o serviço é efetivamente prestado ou prestado proporcionalmente ao longo da vigência do contrato. É GAAP – o conjunto dos Princípios Contábeis Geralmente Aceitos – que determina como e quando a receita é reconhecida.
Cartas de intenção e acordos verbais não são nem receita nem contratos fechados.
Os investidores valorizam mais aquelas empresas cuja receita total vem, na maior parte, da receita de produtos (e não serviços). Por quê? Receita de serviços não é recorrente, tem margens muito mais baixas e é menos escalonável. A receita do produto é o que é gerado com a venda do software ou do produto em si.
ARR ou receita recorrente anual (annual recurring revenue, em inglês) é uma medida dos componentes da receita que são recorrentes por natureza. Deve excluir pagamentos únicos (não recorrentes) e pagamentos por serviços profissionais.
ARR por cliente: É estável ou crescente? Se sua empresa faz upsell (venda de novas versões) ou cross-sell (vendas cruzadas) para seus clientes, a receita recorrente anual deve estar crescendo, o que é um indicador positivo de um negócio saudável.
MRR ou receita recorrente mensal (do inglês, monthly recurring revenue): Multiplicar o valor dos contratos fechados de um mês por 12 para chegar à ARR é um procedimento comum. Alguns erros típicos do uso desse método são: (1) contabilizar pagamentos não recorrentes, como hardware, configuração, instalação, serviços profissionais/contratos de consultoria; (2) contabilizar os contratos fechados (ver a métrica nº 1).
Embora o aumento de faturamento com contratos fechados seja muito importante, os investidores querem entender a lucratividade desse fluxo de receita. O lucro bruto fornece essa medida.
Os componentes do lucro bruto podem variar de empresa para empresa, mas, de modo geral, todos os custos associados à produção, entrega e suporte de um produto/serviço devem ser incluídos.
Portanto, prepare-se para detalhar o que faz e o que não faz parte desse valor de lucro bruto.
TCV (total contract value, em inglês) é o valor total do contrato, cuja duração pode ser maior ou menor. O TCV deverá incluir também o valor de cobranças únicas, pagamentos por serviços profissionais e cobranças recorrentes.
ACV (annual contract value, em inglês), por outro lado, é o valor anual do contrato e, portanto, mede o valor do contrato por um período de 12 meses. Perguntas que se deve fazer sobre o ACV:
Qual é o volume? Sua empresa está recebendo centenas de dólares por mês de seus clientes ou consegue fechar grandes negócios? Claro que isso depende do mercado que você está buscando (pequenas, médias ou grandes empresas).
Está crescendo (e principalmente, não está encolhendo)? Se estiver crescendo, significa que os clientes estão pagando mais, em média, por seu produto ao longo do tempo. Isso quer dizer que seu produto está basicamente fazendo mais (acrescentando funções e recursos) para garantir esse aumento ou está entregando tanto valor aos clientes (melhor funcionalidade em relação às alternativas) que estes estão dispostos a pagar mais por isso.
Veja também este post sobre ACV.
Valor da vida útil (LTV – lifetime value, em inglês) é o valor no presente do lucro líquido futuro gerado pelo cliente ao longo do relacionamento. Essa métrica ajuda a determinar o valor de longo prazo do cliente e o valor líquido gerado por cliente depois de contabilizados os custos de aquisição do cliente (CAC).
Um erro comum é estimar o LTV como valor da receita no presente ou mesmo margem bruta do cliente, em vez de calculá-lo como lucro líquido do cliente ao longo do relacionamento.
Vamos relembrar uma forma de calcular o LTV:
Receita por cliente (por mês) = valor médio dos pedidos multiplicado pelo número de pedidos.
Margem de contribuição por cliente (por mês) = receita do cliente menos custos variáveis associados ao cliente. Esses custos variáveis incluem vendas, custos administrativos e todos os custos operacionais associados ao atendimento ao cliente.
Vida média do cliente (em meses) = 1/seu churn rate (taxa de rotatividade ou cancelamentos) mensal.
LTV = Margem de contribuição do cliente multiplicada pela vida média do cliente.
Observe que, se você dispuser de apenas alguns meses de dados, a forma conservadora de medir o LTV é considerar o valor histórico até o momento. Em vez de prever a vida média e estimar as curvas de retenção, preferimos medir o LTV de 12 meses e de 24 meses.
Outro cálculo importante aqui é o LTV conforme este contribui para a margem, porque um LTV de receita ou de margem bruta sugere um limite superior maior do que você pode gastar na aquisição de clientes. A relação entre LTV da Margem de Contribuição e CAC também é uma boa medida para determinar o retorno do CAC e ajudar a gerenciar suas despesas com publicidade e marketing.
Veja também o que diz Bill Gurley sobre as “seduções perigosas” da fórmula do valor da vida útil.
Em negócios de marketplace, estes índices costumam ser usados de forma intercambiável. Mas GMV não é igual a receita!
GMV (gross merchandise value, em inglês) é o volume total de vendas de mercadorias feitas pelo marketplace em um período específico. É o verdadeiro faturamento, o que o consumidor do marketplace está gastando. É uma boa medida do tamanho do marketplace e pode ser útil como medida de “receita recorrente atual” com base na anualização do último mês ou trimestre.
Receita é a parcela do GMV que “fica para” o marketplace. A receita consiste nos diversos pagamentos que o marketplace recebe pela prestação de seus serviços; na maioria das vezes, são taxas de transação com base no GMV comercializado no marketplace, mas também pode incluir receita gerada por anúncios, patrocínios etc. Essas taxas geralmente são uma fração do GMV.
Em um negócio de software como serviço (SaaS), este é o dinheiro que você recebe na assinatura do contrato antes do momento em que as receitas serão de fato realizadas.
Como já comentamos anteriormente, as empresas de SaaS só conseguem reconhecer a receita ao longo da vigência da transação, conforme o serviço é entregue, mesmo se o cliente fecha um adiantamento considerável. Portanto, na maioria dos casos, esse “booking”, ou seja, esse contrato fechado, vai para o balanço patrimonial em um item do passivo chamado receita diferida (como o balanço patrimonial tem que “fechar”, o lançamento correspondente no ativo do balanço é “Disponibilidades” se o cliente pagou antecipadamente pelo serviço ou “Contas a receber” se a empresa deve fazer o faturamento e receber no futuro). À medida que a empresa começa a reconhecer a receita gerada pelo software como serviço, seu saldo de receita diferida é reduzido e a receita aumenta: em uma transação de 24 meses, a cada mês a receita diferida diminui em 1/24 e a receita aumenta em 1/24.
Um bom indicativo do crescimento — e, em última análise, da saúde — de uma empresa de SaaS é o valor dos faturamentos, ou seja, das cobranças aos clientes, que é calculado tomando-se a receita de um trimestre e adicionando ao trimestre atual a alteração na receita diferida do trimestre anterior. Se a empresa de SaaS estiver aumentando seus bookings (seja com novos negócios ou com upsells/renovações para clientes existentes), o valor dos faturamentos aumentará.
Este é um indicador muito melhor da projeção da saúde de uma empresa de software como serviço do que simplesmente considerar a receita, porque a receita subestima o valor real do cliente, que é reconhecido gradual e proporcionalmente. Mas também pode ser enganoso, devido à natureza da receita recorrente em si: uma empresa de SaaS pode apresentar receita estável durante muito tempo – apenas compensando sua carteira de pedidos e contratos fechados –, o que faria o negócio parecer mais saudável do que realmente é. Por isso, tomamos cuidado com esse ponto quando avaliamos o unit economics (ou seja, a margem de contribuição de cada unidade produzida ou de cada cliente) desses negócios.
O custo de aquisição do cliente ou CAC deve ser o custo total da aquisição de usuários apresentado por usuário. Infelizmente, existem inúmeros tipos de métricas de CAC.
Um problema comum das métricas de CAC é não incluir todos os custos incorridos na aquisição de usuários, como taxas de redirecionamento, créditos ou descontos. Outro problema comum é calcular o CAC como um custo “combinado” ou blended (incluindo usuários adquiridos organicamente), em vez de separar os usuários adquiridos por marketing “pago”. Embora não seja errado, o CAC blended (custo total de aquisição/total de novos clientes adquiridos em todos os canais) não informa o desempenho de suas campanhas pagas e se elas são rentáveis.
É por isso que os investidores consideram o CAC pago (custo total de aquisição/novos clientes adquiridos por marketing pago) mais importante que o CAC blended para avaliar a viabilidade de um negócio – ele informa se uma empresa pode aumentar seu orçamento de aquisição de usuários de forma rentável. Embora seja possível argumentar, em alguns casos, que a aquisição paga contribui para a aquisição orgânica, seria necessário demonstrar esse efeito para conferir mais peso ao CAC blended.
Entretanto, muitos investidores gostam de ver os dois: o número combinado e o CAC, discriminado em pago e não pago. Também gostamos de ver a discriminação por valor dos canais de aquisição de clientes pagos: quanto custa um cliente pagante se a aquisição for feita pelo Facebook, por exemplo?
Por incrível que pareça, os custos costumam aumentar conforme se tenta atingir um público maior. Sendo assim, pode custar 1 dólar para adquirir seus primeiros 1.000 usuários, 2 dólares para adquirir os próximos 10.000 e de 5 a 10 dólares para adquirir os próximos 100.000. É por isso que não se pode ignorar as métricas relativas ao número de usuários adquiridos por cada canal.
Diferentes empresas têm definições quase que ilimitadas para “ativo”. Alguns gráficos sequer definem o que significa essa atividade, enquanto outros incluem atividades não intencionais – como, por exemplo, uma grande proporção de usuários que acessaram pela primeira vez ou uma única vez, por acidente.
Expresse com clareza sua definição de “ativo”.
Esse crescimento, conhecido pela sigla MoM (do inglês, month on month), muitas vezes é medido como média simples das taxas de crescimento mensais. Mas, de modo geral, os investidores preferem medir esse crescimento como CMGR (do inglês, Compounded Monthly Growth Rate, ou seja, taxa composta de crescimento mensal), já que o CMGR mede o crescimento periódico, principalmente em marketplaces.
O uso do CMGR [CMGR = (último mês/primeiro mês)^(1/nº de meses) -1] também ajuda a fazer o benchmarking dos índices de crescimento com outras empresas. Essa seria uma comparação difícil de fazer de outra maneira, devido à volatilidade, além de outros fatores. O CMGR é menor do que a média simples em um negócio em crescimento.
Existem diversos tipos de churn (taxa de rotatividade ou cancelamentos, também conhecida como churn rate ou taxa de churn), tais como churn por valor, churn por cliente, churn por valor líquido, e diferentes definições de como ele é medido. Algumas empresas medem essa taxa anualmente com base na receita, combinando upsells (vendas de novas versões) com churn.
Os investidores enxergam da seguinte forma:
Churn mensal por unidade = clientes perdidos/total do mês anterior
Retenção por coorte
Mês 1 = 100% da base instalada
Último mês = % da base instalada original que ainda está fazendo transações
Também é importante diferenciar entre churn rate bruto e churn rate da receita líquida:
Churn bruto: MRR perdida em determinado mês/MRR no início do mês.
Churn líquido: MRR perdida menos MRR de upsells) em determinado mês/MRR no início do mês.
A diferença entre os dois é significativa. O churn bruto estima a perda real para o negócio, enquanto que o churn da receita líquida atenua as perdas (uma vez que combina upsells com churn absoluto).
Burn rate, ou “taxa de queima”, é o índice que indica a velocidade com que o caixa está diminuindo. Principalmente em startups que estão no estágio inicial, é importante conhecer e monitorar o burn rate, pois empresas quebram quando estão ficando sem caixa e não têm tempo suficiente para captar recursos ou reduzir despesas. Vamos relembrar um cálculo simples:
Consumo de caixa mensal = saldo do caixa no início do ano menos saldo do caixa no final do ano/12
Também é importante medir o burn rate líquido em relação ao burn rate bruto:
Burn líquido [receita (incluindo todo o caixa com grande probabilidade de ser recebido) – burn bruto] é a verdadeira medida do valor do caixa que sua empresa está consumindo todos os meses.
Burn bruto, por outro lado, analisa apenas suas despesas mensais + quaisquer outras saídas de dinheiro.
Os investidores tendem a focar no burn líquido para entender quanto tempo o dinheiro que você tem no banco vai durar para você operar o negócio. Eles também levam em conta a taxa de crescimento de suas receitas e despesas, pois o burn rate mensal pode não ser um número constante.
Veja também o que diz Fred Wilson sobre burn rate.
Downloads (ou número de aplicativos entregues por transação de distribuição) é apenas uma métrica de vaidade.
Os investidores querem ver o engajamento, de preferência expresso como retenção do coorte, em métricas importantes para a empresa em questão – por exemplo, DAU (daily active users, ou seja, usuários ativos diariamente), MAU (monthly active users, ou seja, usuários ativos mensais), fotos compartilhadas, fotos visualizadas e assim por diante.
Gráficos de total acumulado, por natureza, sempre se movem para cima e para a direita em qualquer empresa que estiver mostrando qualquer tipo de atividade. Mas eles não são uma medida válida de crescimento – eles podem se mover para cima e para a direita mesmo quando a empresa está encolhendo. Sendo assim, a métrica não é um indicador competente da saúde de uma empresa.
Os investidores gostam de ver o GMV (volume bruto de mercadoria) mensal ou novos usuários/clientes por mês para avaliar o crescimento de empresas que estão em estágio inicial. Gráficos trimestrais podem ser usados para empresas em estágio mais avançado ou aquelas com muita volatilidade nas métricas mês a mês.
Existem diversos truques deste tipo, mas entre os mais comuns estão não identificar o eixo Y; encolher a escala para exagerar o crescimento; e apresentar apenas ganhos percentuais, sem mostrar os números absolutos (este último é enganoso porque as porcentagens podem parecer impressionantes em uma base pequena, mas não são um indicador de trajetória futura).
Não há problema em apresentar as métricas em qualquer ordem à medida que você conta sua história.
Quando começam a avaliar empresas, os investidores geralmente analisam primeiro o GMV, a receita e os contratos fechados (bookings), porque estes são indicadores do tamanho do negócio. Quando já conseguem ter uma noção do tamanho, eles buscam entender o crescimento para avaliar como está seu desempenho. Essas métricas básicas, quando interessantes, nos motivam a aprofundar nossa análise.
Como diz um de nossos sócios que teve filho recentemente, é parecido com levar o bebê para o pediatra examinar. Primeiro, verifique peso e altura, depois compare com as estimativas anteriores para ter certeza de que tudo pareça estar bem e só então investigue mais a fundo!